quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Notas Soltas

Há já uns dias que tenho andado um pouco desaparecido das lides blogueiras. Agora que me habituei a diariamente ler imensos blogs da coluna ali do lado, e a estar actualizado quase em tempo real, sinto um certo incómodo quando não estou up to date.

Não é por isso que o Estado Sentido tem deixado de ter actividade, muito pelo contrário, só me posso congratular por os outros membros do blog o dinamizarem cada vez mais, pelo que aqui fica um sentido agradecimento aos meus colegas e amigos e a todos os leitores que têm acorrido a este espaço cada vez mais lido na blogosfera. Que assim possamos continuar a atrair cada vez mais leitores.

Antes de comentar acontecimentos mais recentes tenho aqui umas notas soltas sobre uns temas de há uns dias.

1 - O Arcebispo da Cantuária afirmou que a introdução da Sharia é inevitável para garantir a coesão social, enquanto o parlamento turco decidiu aprovar o uso do véu islâmico nas universidades. Novamente reafirmo, cada vez mais dou razão a Huntington, as divisões/uniões fomentadas pela religião e/ou cultura são cada vez mais evidentes nesta sociedade global em permanente conflito de interesses. Se no primeiro caso, um símbolo religioso da maior importância no Reino Unido tem a percepção que certas pressões sociais são cada vez mais prementes, no segundo caso, a Turquia dá passos na direcção oposta à União Europeia, não sendo difícil de imaginar o rejúbilo do Quai d'Orsay ao tomar conhecimento desta decisão que traz de bandeja ao discurso francês argumentos para fundamentar a oposição à entrada do país na União Europeia.

2 - O Secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, afirmou que uma derrota no Afeganistão ameaça directamente a Europa. Sendo uma tentativa declarada da actual administração norte-americana (já agora, porque é que ultimamente muita gente tem utilizado a expressão abrasileirada "estadudinense" em vez de "norte-americana"? Acho que o Acordo Ortográfico não implica modificações a esse ponto. Repito, acho.) de convencer os europeus a incrementar a despesa com esta operação, seria muito mais interessante ouvir o que os candidatos à Presidência têm a dizer sobre este assunto. Talvez até já tenham dito alguma coisa, mas eu não dei por isso, pelo que se algum leitor souber pode deixar aí um comentário.

3 - Parece que Manuel Alegre institucionalizou uma espécie de facção divergente da oficial dentro do PS. Gosto disto. Faz-me lembrar as divergências entre os membros do Partido Republicano Português, que originaram os Democráticos, os Evolucionistas e os Unionistas.

4 - Estou neste momento a assistir à repetição do Prós & Contras na RTP N. Acabo de ouvir um professor, António Hespanha, a dizer que na sua faculdade funcionários administrativos lançam notas de alunos que não fizeram exames, referindo-se ainda ao forte sentimento corporativo das universidades. Do outro lado tentam colocar água na fervura. Paulo Morais foi a única nota digna de registo, pragmático e incisivo. Se alguém estiver interessado também sei umas quantas histórias engraçadas a nível de corrupção nas faculdades.

Pessoas de Direito a discutir o fenómeno da corrupção parece-me algo contraproducente. A meu ver, existem duas grandes formas de as pessoas de Direito encararem esta questão: a pragmática que leva à manipulação dentro do sistema e à banalização da corrupção, e aquela dos que não querem ver que esse fenómeno existe. Não tenho nada contra as pessoas de Direito, mas parece-me que muitos sofrem de um certo autismo e falta de percepção do que um professor de Brasília chama de "forças profundas" da sociedade. É por isso que o Direito se dedica ao dever ser enquanto a ciência política estuda aquilo que efectivamente é. Mas, continuando, o exacerbar da discussão em torno do fenómeno da corrupção que tem acontecido um pouco por todo o lado, especialmente na imprensa e na blogosfera, começa a parecer algo ineficiente. Relembro o que um congressista norte-americano diz numa película fantástica que vivamente aconselho, Syriana, que na falta do DVD, retirei daqui:

"Corruption? Corruption ain't nothing more than government intrusion into market efficiencies in the form of regulation. That's Milton Friedman. He got a goddamn Nobel Prize. We have laws against it precisely so we can get away with it. Corruption is our protection. Corruption is what keeps us safe and warm. Corruption is why you and I are prancing around here instead of fighting each other for scraps of meat out in the streets. Corruption is why we win."

A profundidade desta deixa não pode passar despercebida. Tal como referia, o Direito dedica-se ao que deve ser para que possa precisamente justificar o que é. Por outro lado, na senda da famosa frase de Montesquieu de que "todo o índividuo investido de poder é tentado a abusar dele" penso ser apropriada a assumpção de Schumpeter de que o homem ao entrar no domínio da política perde grande parte da sua capacidade racional, tornando-se eminentemente um ser associativo que funciona por interesses. Analisando isto à luz dos ensinamentos aristotélicos, tendo em especial consideração que "o homem é um animal político por natureza", então logicamente se concluirá que a passagem do estado de natureza para o estado social por via contratualista implicará sempre uma base de corrupção, especialmente quando se trata dos povos latinos possuidores de uma tendência inata para a corrupção, que no caso português começa ao mais baixo nível com a chico-espertice que não é alheia aos que ao mais alto nível se imiscuem de dar o exemplo, apesar de muitos terem bonitos e até épicos discursos contra a corrupção.

Sempre foi assim, e profeticamente arrisco que sempre o será.

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