quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Corrupção sistémica

Dizia eu no post anterior que a corrupção serve de base à passagem do estado natureza para o estado social por via contratualista, sendo por isso esse fenómeno típico do ser humano. Lembrei-me que já tinha lido há uns anos algo do género. Fui ali tirar da prateleira "A Grande Mentira - Ensaio sobre a Ideologia e o Estado" do Professor António de Sousa Lara, e aqui deixo parte do último capítulo intitulado "A fraude e a corrupção: sistema ou subversão?":

"Enquanto o terrorismo, em qualquer das suas variantes, é sempre uma prática de natureza subversiva, os restantes crimes e violações do Direito e da Moral, porque não dizê-lo também, não revestem necessariamente essa natureza. Não que não tenham efeitos perversos sobre as finanças públicas, o serviço público, entendido de uma forma genérica e ideal, a democracia política, a Liberdade, ou, sendo mais preciso, sobre os direitos liberdades e garantias dos cidadãos, a justiça social, fiscal e económica, e portanto contra a própria justificação do Estado, traduzida nos seus fins clássicos de defesa, de segurança, de justiça e de bem-estar económico e social. Mas esta questão deve pôr-se na mesma: serão estas práticas sistémicas ou subversivas?

A minha resposta opta pela primeira proposta, ou seja, que estas práticas ilícitas, ilegais e imorais nasceram com o próprio Estado, desenvolveram-se no Estado liberal e expandiram-se de forma exponencial com a internacionalização da economia nos séculos XIX e XX, sobretudo depois da Segunda Grande Guerra Mundial e, de uma forma ainda mais avassaladora e acelerada, a partir da crucial década de 80 do século passado. Diria até mais: se avaliarmos os efeitos colaterais de algumas destas práticas, mormente de lavagem de dinheiro e do branqueamento de capitais e os réditos produzidos pelos tráficos de armamento, de minerais, de drogas, de tabaco, de álcool, só para citar alguns dos casos, chegaremos à conclusão de que, apesar de defraudarem enormemente os Estados e as administrações públicas em direitos tributários de natureza fiscal e aduaneira, acabam por produzir efeitos de manutenção e desenvolvimento do próprio sistema capitalista e liberal, ao final do processo do branqueamento, com o investimento dos rendimentos produzidos em acções e empresas de natureza legal, geradoras de postos de trabalho, de impostos, estes efectivamente cobrados, fazendo aquecer ou desenvolver a própria Economia, gerando um conjunto de efeitos que são essenciais à manutenção, ao desenvolvimento e ao progresso da própria sociedade liberal e capitalista. Ou seja, não só não têm natureza subversiva, tendo em conta os conceitos e as noções que desenvolvi sobre o tema, designadamente em "A Subversão do Estado", já citada, como têm ainda, por paradoxo e para lá dos julgamentos éticos e jurídicos possíveis, o efeito de sustentação e de promoção do próprio sistema. Daí resulta, sem dúvida, uma das grandes dificuldades que se põem ao poder judicial, à investigação criminal, ao aparelho judiciário, em suma: a erradicação de práticas que têm efeitos funcionais e sistémicos mas que são de natureza perversa e imoral, para lá da própria ilegalidade já referida. E esta funcionalidade é de tal modo verdadeira, que, em muitas das situações, mais ou menos graves, se instalou, em muitos países ditos democráticos e liberais, uma tolerância quase que consuetudinária, relativamente a certas práticas usuais.

A omissão é uma forma de expressão ideológica. Quando ela se instala em termos culturais, representa uma ideologia dominante."

Touché.

Um comentário:

Francisco Castelo Branco disse...

Não é normal o que se passa em Portugal em relação á corrupção...